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Nasi – De todo o meu passado: Bixiga… vejo flores em você

Neste dia 13 de maio o Portal do Bixiga teve o prazer de conversar com um dos maiores nomes do rock nacional, bixiguento de nascença que deu seus primeiros passos de vida na rua 13 de maio, número 720, e viveu no bairro até sua adolescência. Marcos Valadão, marcou seu nome na história do rock como Nasi, líder da banda Ira! e conta ao nosso Portal como foram seus anos no Bixiga.

Nasi fala da mesa farta, da dramacidade e sangue quente das famílias italianas. Conta que foi coroinha da igreja de Nossa Senhora Achiropita e diz que sua família, os Scarlato, foi uma das fundadoras da festa. Nasi também é bisneto de Francisco Capuano, fundador da cantina mais antiga de São Paulo.

Diz que jogava futebol no meio da rua 13 de maio e fazia os postes de gol em um campinho que ia de poste a poste. Fala da cena rock dos anos 80 e de lugares importantes como Madame e Café Piu Piu, que ainda resistem. E seu tio, Franscisco Capuano Scarlato, foi uma das pessoas que esteve à frente do processo de tombamento do bairro.

Ele também diz que o que lhe deixa triste é o abandono com a parte de baixo da rua 13 de maio, trecho do bairro que precisa de atenção urgente, pois em sua cabeça ainda há a memória das famílias que botavam as cadeiras do lado de fora das casas e ficavam a noite conversando.

“A memória que eu tenho familiar no Bixiga e na 13 de Maio é um dos pontos mais felizes e nostálgicos da minha história” – (Marcos Valadão, o Nasi).

Leia a entrevista na íntegra:

Nasi, você nasceu na rua 13 de Maio. Até quando morou no Bixiga?

É, eu nasci na rua 13 de Maio. O número eu não lembro, mas é um prédio que ainda existe [nota da redação: apuramos que Nasi morou no número 720], que fica praticamente na esquina da escadaria que dá pro Morro dos Ingleses, perto da Praça Dom Orione.

Depois, na adolescência, dos 10 aos 15 anos, eu morei na Rua Sílvia, que também fica no Bixiga. Mas eu sempre estive muito na 13 de maio porque meus bisavós e meus avós moravam na 13 de Maio, bem no comecinho. Meus bisavós tinham uma fábrica famosa de móveis, que chamava ‘Móveis Scarlato’.

No livro ‘A Ira de Nasi’, o capítulo 1 tem o tema: “As ruas do meu bairro são meu berço. Vou me encontrar”. E também há uma citação sua: “Sicilianos tem medo de calabreses. Eu tinha de ser do jeito que sou”.

Isso foi meio em tom de piada, porque eu tenho descendência italiana. Por parte de pai, o meu bisavô Carlo Ridolfe é da região de Roma, mas todo meu parentesco por parte de mãe é formado por calabreses. Mas essa coisa da ira calabresa é porque nós descendentes de italianos temos essa coisa dramática, emocional, briguenta. Agora, isso foi apenas uma citação, até porque a máfia calabresa é considerada mais agressiva e violenta que a siciliana, então foi só uma citação e uma brincadeira que eu fiz.

O quanto o fato de ter nascido no Bixiga e ser descendente de calabrases você acredita que influenciou em sua personalidade?

Olha, sem dúvida nenhuma. Eu tenho um sangue bem italiano em todos os sentidos. O cineasta [François] Truffaut disse certa vez que todos os italianos, ou descendentes de italianos, tinham o dom nato pro canto ou para o teatro. E isso de certa forma se confirmou. Eu tive um irmão da minha mãe que foi ator, na verdade é ator, e a música sempre fez parte da minha vida. Vocês sabem, a cultura italiana é regada a muita música e essa coisa da dramaticidade, que é uma coisa latina e italiana, de muita alegria, de falar alto, de emotividade a flor da pele… tudo isso é presente na minha personalidade e na maioria das pessoas que tem ascendência italiana”.

Como foi sua infância no Bixiga? De que você e seus primos e amigos brincavam?

Minha infância no Bixiga, na 13 de maio, na casa dos meus avós, era muito divertida. Nós jogávamos bola na calçada no começo da 13 de maio. A gente fazia os postes de gol em um campinho que ia de poste a poste. Também na casa dos meus bisavós, na 13 de Maio, tinham muitas festas. Tinha a festa de Nossa Senhora do Carmo, que era uma semana de novenas, então tinham os comes e bebes e as crianças brincavam enquanto os adultos rezavam. Tinha sempre festa de Natal e réveillon, onde a noite meu bisavô sempre dava um tiro de espingarda pra cima.

São memórias que eu guardo dessa coisa de mesa farta na casa da avó, nhoque na mesa da avó. Eu vivia na casa dos meus avós, onde ficava lá vendo televisão e eles me mimavam muito. Então a memória que eu tenho familiar no Bixiga e na 13 de Maio é um dos pontos mais felizes e nostálgicos da minha história”.

Sua família é católica. Você fez a Primeira Comunhão na Igreja de Nossa Senhora Achiropita?

Olha, minha primeira comunhão eu fiz na verdade em uma igreja que esqueci o nome [nota da redação: a igreja se chama Paróquia Imaculada Conceição] mas fica na Brigadeiro Luís Antônio logo abaixo da Paulista, que nem sei se é considerado Bixiga, mas é capaz de ser. Mas eu frequentei muito a Achiropita e cheguei a ser coroinha lá. Eu era muito pequeno e tenho pouca lembrança disso, mas eu cheguei a ser coroinha e fui dama de honra, uma das crianças que entrou no casamento do meu tio [pájem].

Chegou a frequentar a festa de Nossa Senhora Achiropita? Que lembranças tem desta época?

Sim, fui muitas vezes à Festa de Achiropita. Aliás, a minha família, os Scarlato, foi uma das fundadoras da Festa de Nossa Senhora Achiropita, bem lá nos primórdios. Também tem uma coisa bem interessante em relação ao Bixiga sobre a cantina Capuano, que fica na Conselheiro Carrão, que tem quase 1 século de vida e é o restaurante mais antigo aberto em São Paulo, foi fundada pelo Capuano, que era meu bisavô. Ele foi segundo marido da minha avó Teresa Calebrese. Depois foi adotado por outra família. Então sobre essa cultura toda e histórias lá da 13 de maio eu tenho muita coisa pra contar.

O Bixiga também se mistura com sua história de vida não apenas por você ter nascido aqui, mas também porque a história do rock revolucionário dos anos 80 se fez por essas ruas e você foi um dos precursores desse movimento em São Paulo. O que você poderia nos contar da cena do rock nacional dos anos 80 e 90 nas ruas do Bixiga, em especial na Rua Treze de Maio?

Olha eu tive a sorte de ter vivido da minha infância até o final da minha adolescência em dois bairros que tem muito da história do rock em São Paulo. Eu também vivi muito tempo na Vila Mariana, dos 15 aos 19 anos. A Vila Mariana também é um bairro de tradição de rock, foi lá que nasceu Mutantes, Celly Campelo e outros. E o Bixiga tem uma história de casas muito importantes pra cena rock dos anos 80. Tem o Madame Satã, lugar onde todas as grandes bandas dos anos 80, iniciando suas carreiras, tocaram. Tinha o Carbono 14, que ficava na 13 de maio também, e que era um point muito importante de shows e festas. E mais recentemente a gente tinha o Café Piu-Piu, lugar que o Ira! já tocou. Tem lugares muito importantes na história do início daquele rock dos anos 80. Bandas como RPM, Ira!, Titãs, Ultraje a Rigor, todos os punks… tudo isso forma uma passagem muito importante na história do Bixiga.

E hoje, quando você recebe uma entrevista como essa ou algo que lhe faça lembrar do Bixiga e da Rua Treze de Maio, o que lhe vem à cabeça? Quais são suas memórias?

Quanto ao Bixiga eu tenho uma história muito engraçada de quando eu era criança eu parei uma parte do Bixiga. Eu tinha 4 anos e um primo que era muito apegado a mim e morava lá pelos lados da João Passalacqua enquanto eu morava na 13 de maio. Eu queria ter ido na casa dele uma tarde e minha mãe não deixou, aí com 4 anos de idade eu sai de casa sozinho e fui caminhando, cruzando ruas entre a 13 de maio e a casa dele. Minha mãe ficou desesperada, foram todos os vizinhos e parentes me procurar, porque que tinham medo que eu tivesse sido sequestrado.

Uma criança nessa idade andar sozinha em São Paulo nessa região era uma loucura mesmo. Depois eu fui encontrado, mas teve toda uma mobilização no bairro. Se o Datena existisse naquela época eu teria aparecido no programa, então eu tenho muitas saudades realmente daquele tempo no Bixiga e são lembranças muito boas.

Eu lembro também de uma cantina, o Mexilhão, que ficava muito próxima à minha casa. Acho que é um restaurante que deve ter mais de 50, 60 anos de idade e lembro que tinha um aquário na entrada, que me fascinava muito. Ir na Basilicata pegar pão também. São lembranças muito boas que eu tenho.

Você costuma frequentar o Bixiga? O que teria para dizer a todos os Bixiguentos que resistem nessas ruas tombadas pelo patrimônio histórico que impedem que este bairro no centro de São Paulo ainda não tenha se tornado uma selva de pedra?

Sim, costumo passar. Acho que pra quem quer comer uma boa comida italiana as melhores opções de São Paulo estão lá. Desde o Mexilhão, que é uma comida italiana mais voltada aos peixes, tem o Capuano que é uma comida bem caseira e barata. E quando quero comprar alguma coisa, seja pão ou antepastos, tem a Basilicata, a Italianinha.

E por falar em tombamento, meu tio, Francisco Capuano Scarlato, que é professor de geografia na USP, foi um dos responsáveis pelo tombamento e esteve à frente do processo de tombamento do Bixiga.

Agora… uma coisa que me preocupa muito é que há tempos atrás eu fui fazer uma entrevista com a TV Gazeta e escolhi como cenário a 13 de Maio. Íamos subindo enquanto conversávamos e principalmente o início da 13 de maio me assustou um pouquinho com relação ao descaso e a questão da droga por lá. Estávamos lá fazendo a entrevista e de repente veio um cara que depois percebemos ser um traficante, um cara até educado e tudo, mas que falou que para filmarmos lá teríamos que pedir permissão para uns nóias que estavam escondidos atrás dos carros. Eles estavam com medo de que fosse mais uma matéria falando sobre a possibilidade de existir uma pequena cracolândia no Bixiga.

A equipe da TV Gazeta teve que ir conversar num cantinho com os caras e explicar que não era matéria sobre drogas no Bixiga pra gente poder continuar a conversa. Aí subi nesse início da 13 de Maio e fiquei meio triste, porque achei que esse pedaço até a igreja de Achiropita está meio largado. Foi o que me deixou triste após lembrar que lá era um pedaço onde andavam famílias que botavam as cadeiras do lado de fora e ficavam a noite conversando. Com isso eu fiquei um pouco triste.

Nasi, agradecemos muito sua entrevista e gostaríamos de dizer que sempre temos diversas atrações culturais agitando as ruas do nosso querido Bixiga. Venha comer uma massa qualquer dia!

Obrigado pelo convite, e com certeza vou aparecer na Achiropita, que para mim, sou até suspeito pra falar, mas é a mais tradicional festa italiana de São Paulo. Com todo respeito às outras que existem em outros bairros, mas essa é uma das mais importantes do calendário de festas paulistano. Um grande abraço a todos em nome da Família Scarlato, que nasceu e viveu na rua 13 de maio.